sábado, 9 de janeiro de 2016

Anoia

"O Quarto em Arles" (Vincent Van Gogh/1888)
      "Você é uma falsa esquizofrênica", disse-me o psiquiatra, pensei eu, "poxa, nem como esquizofrênica consigo ser verdadeira". Por que sou falsa? "Você não é totalmente louca, apenas flerta com a loucura", respondeu o médico, caramba, quando flertamos é quando mais estamos apaixonados, se eu me casar com a loucura, aí as coisas vão esfriar e acabo perdendo o interesse, como acontece em todo matrimônio. Seja como for, não entendi a vantagem que se tem de ter a loucura como uma paquera, e não como uma relação mais próxima. Então me disse o especialista, "os loucos de verdade não conseguem discernir entre realidade e fantasia", quem me dera eu fosse assim, seria muito mais fácil, me desgastaria muito menos. 
      A lucidez, essa vadia, só me engaja numa batalha sem fim e sem vitória, que me deixa cada dia mais fraca, se eu acreditasse de fato na fantasia, me entregaria a ela. Eu ficaria inviável para a vida real? Talvez, sei lá, tem muito maluco que não abre mão de sua visão distorcida da realidade e ainda assim consegue conviver com a sociedade, trabalhar, ser produtivo, mesmo manter uma família, alguns até se tornam líderes máximos de países ou presidentes de empresas multinacionais. Quanto a mim, só flerto, de longe, sem nunca poder me deitar com a insanidade, como seria bom deixar a loucura me possuir, bem fundo, de todos os lados e em todas as posições, mas eu até provei isso algumas vezes.
      Não foi como uma escolha consciente (que bobagem eu disse, quem disse que doido tem consciência de alguma coisa?), foi na crista de uma crise, a última e pior delas que tive, não, eu não saí pelas ruas sem roupas, não usei de violência com desconhecidos, não esqueci quem era minha mãe ou meu pai. Mas, meu Deus, como foi bom, o corpo parece que nos enche de endorfinas, em crises, a criatividade vai a mil, nunca escrevi tanto como quando endoidei quase que de vez. Meu rosto brilhava, minhas roupas eram coloridas, meus cabelos soltos, naturais, mesmo que meu corpo tivesse dificuldades motoras para dirigir um carro e mesmo para andar, contudo, fiquei uma década mais jovem, infelizmente depois que a crise passou, envelheci vinte anos. Aí foi quando as noites se tornaram eternas, com ou sem sol. Um período de sono dos justos? Nunca mais, a cabeça não parou desde então, nesse ponto a gente percebe que loucura não é algo meramente mental, psiquiátrico, mas é uma coisa espiritual, metafísica.
      Se fosse simplesmente dificuldade para discernir entre o que é real e o que é imaginário, tudo bem, mas por que o imaginário sempre é ruim? Por que as vozes sempre nos denigrem, nos inferiorizam? Por que são sempre demônios assassinos, não poderiam ser anjos bons? Não poderiam ser pilotos de espaçonaves que nos levassem para um mundo maravilhoso, onde pudéssemos nos transportar de um lugar para o outro somente com a vontade mental, onde se pudesse voar e controlar objetos com concentração, um universo sem dor, sem culpa, sem comprometimentos? Partido, preso entre duas vontades, habitante de dois polos opostos e absolutamente extremos, sem nunca conseguir descansar num equilíbrio, aquele equilíbrio que alguns religiosos irresponsáveis e iludidos, zens, iogues, fazedores de rezas e de jejuns intermináveis, dizem existir? Esses que falam que a força está dentro da gente, nunca realmente enfrentaram a força que está dentro deles, se descontrolada, pode destruir mundos, eu bem sei disso...
      Virou moda ser bipolar, assim como desculpa para zonas de conforto dizer que se está em depressão, a grande maioria das pessoas realmente não sabem o que são essas coisas. Uma excitação tão grande que torna o prazer dolorido, uma cosseira que não se pode coçar, um orgasmo inatingível, mesmo que se trepe horas a fio, aumenta o desejo, mas nos conduz ainda mais longe do clímax. E depois, um distanciar de tudo, a total incapacidade de se ter esperança, as cadeias que nos enclausuram num espaço pequeno, sem ar, sem luz, onde não se tem direito à nada, nem ao sofrimento. Pior que sentir dor e não sentir nada, e pior ainda e tirarem de você o direito até de ter direito à dor. Não, quem se vangloria de ser bipolar não tem a mínima ideia do que é ser bipolar, e pensar que há pouco tempo, muitos eram presos em ambientes sujos e solitários por causa disso. Hoje o que me prende é a quetiapina, quando penso que nunca mais poderei dormir sem tomar um pouco dela, isso me deixa maluca, mas eu não sou maluca, sou uma pseudo-maluca, grande consolo, esse...

Nenhum comentário:

Postar um comentário