quinta-feira, 24 de março de 2016

pra não dizer que não falei de Deus

      Este mundo tem regras, fixas e que valem para todos, o que as pessoas pensam, acreditam ou fazem com respeito ao "outro" mundo, aquele que existirá, da maneira que for, após a morte física, não interfere neste mundo, não com relação às coisas que ele oferece para que se interaja com ele de maneira equilibrada. Quando me refiro ao mundo, me refiro à flora, à fauna, à terra e ao seu clima, bem, esse mundo não é nosso inimigo. É possível conviver com ele, retirar dele os meios para se sobreviver materialmente e ainda assim não violentá-lo? Seria, contudo, nós homens, diferentes dos outros animais, somos egoístas, somos cruéis e violentos, assim, como que querendo nos vingar do destino que a todos nós é infligido, a morte, fazemos por levar o mundo também a isso. Nós conseguiremos matar o mundo? Em longo prazo não, o Sol ainda queimará e brilhará por milhões de anos, mesmo que desequilibremos as estações, firamos a superfície do planeta, sujemos as águas, extingamos os animais, em médio e longo prazo, o mundo se restabelecerá. Isso, porém, não a tempo de ser útil à geração e algumas após ela, que o trataram mal, em curto prazo colhemos todo o mal que fazemos e que dificulta bastante uma sobrevivência tranquila por aqui.
      Então, você me perguntará: "o que eu tenho a ver com isso? Não poluo o ar, não corto árvores, não estrago as águas, não mato animais". Sim, se você, como indivíduo não faz isso, não prejudica a coletividade, mas prejudica a si mesmo fazendo coisas que talvez só você sabe que faz. Se obedecer às regras, terá uma vida próspera, pra você e para seus relativos, caso contrário, sofrerá as consequências. Nós temos muita dificuldade de entender uma coisa, o planeta não faz conosco, o que fazemos com ele, nós o exploramos e não devolvemos algo em troca. O mundo não, ele nos inclui, ele sabe que fazemos parte disso tudo, uma parte importante, aliás, como animais inteligentes que somos, ou melhor, que deveríamos ser. Assim quando fazemos mal ao mundo ou a outro homem, desobedecemos regras, nessa disposição algo nos será tirado também como reação.
      Um inocente que sofre por causa do egoísmo de um homem consciente, subtrairá de alguma forma algum privilégio humano neste mundo. Nós podemos ignorar nossas crianças, mas o planeta não ignora, nós podemos tratar de maneira injusta pobres, doentes e velhos, mas o planeta chora por cada violência que impomos aos mais frágeis, nós podemos tratar com diferença ou indiferença àqueles de pele com cor diferente da nossa, mas o planeta vê a todos de maneira igual, dignos às mesmas regalias.
      Hoje a sociedade dita civilizada fala em inclusão, prega isso como uma religião em todas as áreas e esferas, mas o mundo natural, sempre respeitou essa regra, nunca menosprezou nada e nem ninguém. E se ainda assim você se escusa de ter feito mal a outros, saiba que as lágrimas mais amargas do planeta, são pelo mal que fazemos a nós mesmos, quando violamos nossa inocência, traímos nossa essência, furtamos de nós a paz. Sim, o mundo inclui todos em seu sistema de vida natural e que deveria ser intermitente, principalmente eu, o indivíduo. Se podemos nos isentar de uma árvore derrubada na Amazônia, de um rio poluído na África ou do ar desgraçado na China, nós mesmos não seremos poupados pelo mal que fazemos à nossa própria carne.
      Mas você ainda diz, "fiz tudo certo e nada deu certo pra mim", meu querido, se tudo está errado é porque você fez tudo errado. A pergunta é: o que queremos neste mundo? O que esperamos de nossas existências aqui? O que desejamos ser, de verdade? Veja que eu não fiz as célebres questões existenciais: de onde viemos e para onde vamos, qual é a razão da vida? Não, estou tentando desconsiderar qualquer coisa que possa prender o texto a conceitos metafísicos, a possibilidade de sermos predestinados por alguma forma de ser superior, dirigidos por uma energia maior, não, a questão é simples e prática. Estamos aqui, teremos que viver aqui por um tempo, nesse tempo encontraremos pessoas, faremos amigos, desafetos também, muitos de nós casaremos com um outro ser, igual nós, com o qual estabeleceremos uma aliança maior e como fruto disso, geraremos novas vidas. Entre sairmos das barrigas das mães e sermos enterrados a sete palmos de terra, precisaremos sobreviver, assim, como passaremos esse período de tempo da melhor maneira possível?
      Bem, as regras que falei no início, dizem respeito a isso, elas são indiferentes a qualquer espécie de interpretação espiritual que podemos fazer de tudo, simplesmente porque elas não vão mudar por causa disso, elas só dependem do que fazemos para caminhar em equilíbrio com este mundo, com a natureza e com o tempo. Agradecer a uma divindade por algum tipo de prosperidade, só afetará as dádivas que o mundo dá se o agradecimento transformar o agradecido em ocioso, fugitivo de obrigações que são suas e de mais ninguém, jogando na divindade um trabalho que é do homem. Por outro lado, amaldiçoar uma divindade só afetará as dádivas que o mundo dá caso essa ingratidão se transforme em álibi para adquirir direitos abdicando-se de deveres, desequilibrando a balança do plantar e colher.
      Não, não estou falando de coisas subjetivas, de experimentar dentro de si, no coração, nas entranhas, uma satisfação inexplicável por simplesmente existir. Esse sentimento não depende da obediência às regras desse mundo, por mais incrível que pareça. Muitos retiram do mundo o mínimo para sobreviver, e ainda assim se sentem as mais agraciadas das criaturas, outros, contudo, vivem em luxo e riqueza, e ainda assim se veem constantemente insatisfeitos. Aos primeiros, o planeta deu muito menos que eles poderiam receber, simplesmente porque eles se satisfizeram com o que tinham, esses não temem a morte, mas encaram a conquista desse mundo de forma mais tímida. Os últimos, recebem tudo, não há mais pra ser dado a eles, e mesmo assim continuam exigindo mais e mais, se pudessem viveriam eternamente neste planeta e tentam fazê-lo ocupando-se da saúde, dos corpos, muitos mais que dos espíritos.
      As duas primeiras regras do mundo são simples: trabalhe e negocie. Aproveite cada minuto debaixo do sol, e muitas vezes mesmo aqueles sob o luar, esforce-se ao limite, depois, trate bem as pessoas, faça seu comércio com respeito, com honestidade, mesmo que com inteligência, valorize o menor dos lucros na esperança que é só o início de um negócio muito maior. Mas é preciso haver as duas coisas: esforço pessoal e interação social, é importante que entendamos isso. Tantos há que se esforçam até, mas fechados em si mesmos, desprezam um mundo de homens comandados por homens para beneficiar homens, não deuses.
      Obviamente, tudo que o homem toca é passageiro. Isso pode ser mudado, mas dar perpetualidade às coisas é a última regra desse mundo. Infelizmente para a maioria, essa terceira regra é uma das regras do outro mundo, aquele que existe após a morte. A maioria não entende ou acredita nela, por isso tantos se frustram mesmo fazendo escolhas opostas, uns desejam apressar suas partidas daqui e outros procuram eternizar suas presenças aqui. Qualquer tentativa de eternizar algo implica em semear valores que vão além dos materiais, demanda priorizar saúde, não só física, mas emocional e espiritual. Por isso alguns chegam a obter tanto neste mundo, e depois acabam perdendo tudo, por desconsiderarem princípios morais, por desprezarem o bem e o mal, e repito, dê-se a esses princípios o conceito que se quiser, enquanto outros, frustrados, desistem, e colocam fé numa existência além morte física.
      Tirar Deus da equação, tentativa que fiz neste ensaio, pra ninguém dizer que não falei dele, bem, citei-o dessa vez. Mas ele talvez seja o mais injustiçado pelo homem neste mundo, em cujas regras nem ele interfere, regras que conferem méritos que nada valerão no outro mundo. Alguns creem em um Deus e aliam a ele poderes, poderes que ele tem? Acreditam que sim, mas nesse caso, não usa, porque os delegou a este planeta. Não, não faço aqui apologia ao profano, minha intenção não é desviar crentes, roubar deles o direito a adoração pelo simples fato de existirem neste mundo, pelo ar que respiram, como dizem romanticamente os mais puros. Só faço alguns questionamentos, cada um que os responda de acordo com aquilo que enxerga. O que vemos quando olhamos para frente, iluminação ou alucinação? O que nos impulsiona, uma visão realista ou mentiras que os homens nos contam somente para obter vantagens para eles mesmos neste mundo? Será que de alguma maneira não estamos, todos nós, cegos?      
      Cegos se desviam ou para a amargura, ou para a devassidão, ou para a insanidade. Os amargos, o ficam por verem fracassada uma fé que sempre esteve num equívoco, acabam acovardados como servos dos devassos ou dos insanos, por crerem no que os homens dizem sobre deuses, e não em Deus, tornam-se escravos de homens. Os devassos se perdem em si mesmos, sufocados pelos bens que deveriam agradá-los, e que acabam sendo seu maior mal, tornam deuses, o dinheiro e o prazer. Os insanos matam a razão privando-se do direito de questionar que os levaria a fazer a constatação da existência ou não dos frutos daquilo que plantam, assim seguem trabalhando em vão, cativos de si mesmos. Aqueles, todavia, que separam as coisas, o que é deste mundo e o que é do outro, adquirirão lucidez, chegarão à luz, aceitarão a responsabilidade pessoal e intransferível, e com trabalho, alianças e bons corações, terão um pouco de paz, ainda neste planeta.

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