Na intenção de ser sincero, brinquei com a morte, com a desconexão e com a solidão. O que é melhor: se apaixonar ou temer? Não consigo seguir apaixonado quando perco o medo, o desconhecido é que me prende, o imprevisto é que me atrai para perto. A poesia torna o anjo da morte, a psicose da desconexão e o destino à solidão, jovens tão lindas e pueris quanto pervertidas e astutas, como as almas tão velhas quanto o mundo que possuem. Mas do que se tratam esses textos senão de poesia? Como tal é fantasia, mesmo que nos conduzam ao horror, ao pior de todos os pesadelos, aquele cujo monstro é tão terrível que não pode ser visto. Pode ser sentido, bem próximo, atrás de nós, se aproximando, mas quando olhamos não o vemos, ele já se moveu para a nossa frente, e se nos viramos novamente ele se moverá e assim permanecerá, sempre invisível.
Será que é isso que encontramos quando nos desnudamos de tudo? Morte, desconexão e solidão? Não, não sou um suicida maluco e solitário, tenho uma família linda, uma mulher completa e filhas perfeitas, para mim são tudo. Talvez seja por isso, por essa segurança que funciona como uma corda, forte e bem amarrada, que eu me permita, segurando nela, descer até o fundo do poço, abrir o alçapão e caminhar pela rede de túneis secreta que existe no underground da minha alma. Eu sei, que se precisar, terei à mão a corda, ela me guiará até o alçapão, e com ela poderei subir e retornar à realidade. Mas por mais que eu tenha lindos sonhos na realidade, os remédios não me deixam dormir para sempre, é preciso acordar para os sonhos da demência e é neles que as três jovens de almas velhas residem, elas sempre estão me esperando com largos sorrisos, cínicas, caladas, curvando seus indicadores e me chamando.
"O Jardim das Hespérides" (Frederick, Lord Leighton - 1892) |
O pior dos males, contudo, aquele que machuca inocentes, aquele que nos faz predadores egoístas e cegos destinados a arrancar pedaços da própria carne, esse flagelo, que todos guardamos dentro de nós e que precisa ser controlado a todo custo, não precisa ser declarado em público, talvez nem os melhores amigos mereçam essa desgraça. Eis aí o maior trabalho desta vida, aquele que suga a maior parte de nossas forças: manter o monstro que nos habita bem preso. A custo de fé? Sim, para os que têm fé. A custo de vodca? Sim, enquanto tiverem fígado. A custo de arte? Sim, para os que podem acordar na demência, observar a morte, a desconexão e a solidão, mas não ceder aos seus desejos, antes fazer poesia. A custo de tudo o que limita o pior dos males ao nosso próprio coração, já que é por se acharem no direito de libertar monstros, é que tantos machucam a muitos, governam países e são adorados por idiotas em todo o planeta, só para compensarem um ego que não aceita a morte, a desconexão e a solidão nossas de cada dia.
Flerte com a loucura, mas não se case com ela, mantenha uma relação platônica com a demência, à distância, até fantasie tomar a insanidade nos braços e beijá-la, faça isso nas noites em que acorda morto, desconexo e solitário, mas quando sonhar de realidade, realize o melhor que pode para manter um amor de verdade ao seu lado, para ensinar às crianças sobre tudo o que há de bom e simples nesta existência. A vida é um doce engano, um faz de conta que deve ser levado a sério, um monte de mentiras que na fornalha da paixão resultam numa pepita de verdade, verdade essa que não pode ser vendida, pois só o fato de falarmos sobre ela com alguém, já a dissolverá em milhões de moléculas. Certo e errado? Claro que existem referências, mas não para serem comercializadas como peixes velhos e fedidos numa feira livre, são pérolas, raríssimas, únicas, que devemos guardar dentro do coração. Que os outros, que estão do lado de fora de nós, tirem suas conclusões, vejam, se é que querem ver, aprendam, se é que temos algo a ensinar. Mas que o tempo nos leve a ser mais mansos de mente, mais calados de fato, mas sempre vivos, questionando, meditando, com os pés firmes no chão, mas com o coração nas portas da morada do pai e criador de todos os espíritos.
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