segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O próximo Woody Allen

      Sexo não é tudo na vida durante os dez minutos que seguem após você ter feito sexo, na outra parte do tempo passamos esperando, esperar é algo que a vida nos ensina, e que nos esquecemos em alguns momentos.
      Antes de continuar, vou abrir um parêntese, viver se resume a poucos e determinados assuntos, mas a beleza insiste justamente no fato de que podemos experimentar as mesmas coisas, repetidamente, e sempre provar essas coisas com gostos diferentes. Usar as técnicas artísticas para expressar a vida, como estou tentando fazer aqui com este texto, me permite expressar várias vezes o mesmo assunto, contudo, e é aí que a poesia faz a diferença, olhando cada vez de maneira distinta. Sem poesia a vida fica monótona, pesadamente igual, cópia cada vez mais falsa de algo que já foi bom. Isso só exalta a dor, a faca rasga a carne sempre no mesmo lugar, em cima de uma ferida que ainda nem foi cicatrizada. O poeta, e aqui não me refiro ao ofício de alguns, mas a todo ser humano humilde o suficiente para rir de si mesmo, para se apaixonar pelo simples, para ter a petulância de acreditar no incrível, esse artista pode redescobrir a vida infinitas vezes, provar um primeiro beijo mais uma vez, mesmo que seja daquela companheira que está com ele há décadas, fecho o parêntese.
      Quando meninos, esperamos o fim das aulas para chegar em casa, almoçar e brincar, a rua é nossa cidade, o bairro nosso país, a cidade, um planeta inteiro. Mas o quintal basta para inventar estórias, ser mocinho e bandido de faz de contas, as crianças são artistas naturais, atuam com sinceridade porque acreditam que os sonhos são reais. Brincando na rua não sofremos com esperas, desfrutamos e pronto, até que um dia, a amiguinha passa de mais uma companheira das tardes, igual a outras, para alguém estranhamente especial, o pega-pega lúdico toma outras proporções. Então, esperamos não para correr, se esconder e rir, mas para ver a menina, sentimos algo inusitado nesse primeiro amor. É sexo? Não sei, mas cria uma reação química diferente dentro de nós, uma sensação nunca antes provada, uma força que começa a nascer e que nos levará a fazer as coisas mais malucas desse mundo. Essa energia que esquenta nossos corações transformará nosso conceito de distância, poderemos caminhar por horas, atravessar países, esperar cem anos, só para ver alguém. É amor? Não sei, nunca vou saber, ninguém sabe o que é amor, ninguém sabe amar. Alguns chamam de paixão, uma força misteriosa e imensurável que tanto atrai quanto afasta, tanto quer eternizar, quanto fazer morrer.
      Quando jovens, as obrigações começam a gritar, passar no vestibular, achar emprego, somos iniciados na ciência de esperar. Nesse momento, contudo, a paixão, forte e nova, nos dá asas, e hipnotizados pelos olhos iluminados de alguém, passamos dias e noites estudando, trabalhando, e mesmo com pouco dinheiro no bolso, nos encantamos com descobertas que parecem não terem fim. Esperamos, nesse tempo? Na verdade não, somos levados, para lá e para cá, leves que estamos, flutuamos sobre a dor, sobre o mal, surfamos nas ondas do prazer, tão intenso quanto incompleto, dos encontros, tão frívolos quanto vãos. Mas não é perfeição que buscamos, é apenas emoção, sentir é melhor que raciocinar, importa mais que a moral, que o certo e o errado. Nesse tempo armazenamos culpas que só serão ressentidas vinte anos mais tarde. O grande perigo é embarcar num navio de passageiros, tentar ser mais um num coletivo, a alma ainda não está preparada para isso, ela precisa continuar se movendo sozinha.
      Quando homens, somos obrigados a esperar, à medida que percebemos que outras vidas dependem de nós. Maturidade é entender que o nosso direito termina quando começa o do outro, principalmente se o outro é alguém que veio a existir por escolha nossa. Esperamos nove meses para vir à luz a maior de todas as criações humanas, uma poesia que escrevemos, mas que autoriza o universo a colocar música, a alma humana, tão eterna quanto etérea. Fazer um filho é fazer uma aliança com Deus, criar uma identidade exclusiva a quatro mãos, talvez a única aliança realmente espiritual que todos os homens podem realizar, sejam quais forem suas crenças metafísicas, as outras ou são somente físicas ou são opcionais. Acho que é isso, responsabilidade implica em espera, os loucos e violentos querem resultados imediatos para agradar somente a si mesmos, esses não se dão ao trabalho de esperar nada.
      O que nos resta depois? A morte? Talvez para alguns que parece já terem nascido mortos, a morte seja um tipo de meta, contudo, quem vive de verdade deseja-a menos à medida que envelhece, não por temê-la, mas por gostar de viver. Com certeza a vida só fica melhor com o tempo, mesmo que o corpo não corresponda, mas isso também é vantagem, conhecedores dos limites, cometemos menos erros, mesmo que as culpas do que fizemos vinte anos atrás tornem pesadas nossas almas. Quando velhos, o sexo vai se apagando, a vida não é mais aquilo que acontece entre dois orgasmos, entre dois momentos felizes, mas adquirimos noção de tempo. Passado, presente e futuro passam a coexistir em nossas mentes, convivemos com a esquizofrenia comum a todo ser humano, que não é doença, não necessariamente, em nossas cabeças já não somos mais um, mas muitos. O passado é um entendimento que só adquirimos de fato na velhice, na primavera e no verão da vida é tudo presente, o futuro é uma ilusão passageira que inventamos no outono, mas que depois perde sua relevância no inverno da existência.
      E depois? Para mim o que resta é esperar pelo último do Woody Allen, que passou dos oitenta anos, mas que continua lançando um filme por ano há cinquenta anos, esse artista, contudo, logo, logo se vai, e aí nada mais me restará para esperar.

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