Os frutos raros nascem não em estações definidas, reguladas, consideradas normais, mas são produtos de tempos de exceção, de estações desequilibradas e irregulares. Esses frutos também não aparecem nas grandes plantações, territórios dos poderes deste mundo, mas em lugares secretos, entre montanhas cercadas de deserto, que guardam jardins exóticos, pequenos e exclusivos, lugares que poucos conhecem, e que menos ainda pisam, plantam e colhem. Então, que escolham, querem os comuns e enjoativos frutos adocicados, vendidos nas feiras por pouco, visto que muitos os oferecem, ou querem provar algo singular? Não, a boca não vai gostar assim de cara, e confundindo as metáforas, os ouvidos não vão entender na primeira vez, teremos que morder um pedaço menor, sentir nas várias áreas gustativas da língua, ou teremos que voltar a fita e ouvir as palavras de novo, um pouco de cada vez, talvez em velocidade mais lenta. O fruto raro na boca do amargo cria palavras únicas que soarão diferentemente nos ouvidos acostumados com o doce, mixando todas as metáforas já que estou sem paciência para alterar o texto.
A alma é diferente do corpo, a carne pode passar a vida toda se alimentando das mesmas coisas, e se forem as coisas certas, sustentarão o organismo físico e o manterão saudável. Já a alma cresce na diversidade, quanto maior a pluralidade, mais a alma vê, se estimula, se aventura, caminha, toca, aprende e se amplia. O medo do diferente é o medo de viver, e não pense que para isso teremos de subverter princípios fundamentais, trair alianças tradicionais, não necessariamente. Para alguns, isso não é necessário, outros, todavia, que não se acorrentam a fundamentalismo e tradição, pagam preços caros, para mudar e mudar bastante, mesmo que seja só para ter certeza de que existem coisas que nunca mudam. As diferenças desafiam, nos fazem questionar, destroem o maior dos cânceres, o preconceito, enquanto as referências constroem portos, os preconceitos prendem à terra muitas vezes uma nave que nunca tocou as águas, mas que navegue sem temor a alma pelos mares de todos os conhecimentos que são nada mais, nada menos, que as outras almas, joguem os lastros fora, se esqueçam da âncora, deixem leve e solta a nau do coração.
No final das contas nada é amargo, quando existe poesia, se não fosse assim, não nos encantariam tragédias e amores impossíveis cantados pelos menestréis que já viveram neste mundo e que habitarão para sempre nos corações apaixonados. Uma sala com uma cama é um quarto, mas com uma cama e um vaso com flores, é poesia, no quarto a gente dorme, na poesia a gente sonha. Oito horas de serviço na frente do computador, é trabalho, mas ouvindo música, pensando no ser amado, parando de vez em quando para falar de coisas boas com o colega, é poesia, com trabalho o corpo sobrevive, com poesia a alma transcende. Muitos querem tirar a poesia da vida, assim, limitam a existência a frutos doces e frutos amargos, bipolarização preguiçosa e enfadonha, a poesia encontra estética no deserto, acha relevância na exceção, colore os quadros da alma com paisagens míticas que acham sentido mesmo no que nenhum sentido parece fazer. A poesia é o que nos linka com Deus, não é o trabalho, não é o doce e o amargo, o eterno vai muito além de extremos que muitos arrogam ser no que a vida se resume, vai além do bem e do mal.
O não que o mundo cospe em nosso rosto, abre a porta de um caminho muito mais extenso e belo que achávamos que o sim abriria, o espírito livre acolhe o não recebido e o esmaga com sua sede de viver, com sua teimosia insana em querer saber o que está por trás dos mitos. Não, não e não, batendo insistentemente contra o peito, adaga dos guardiões dos mistérios, que encerra? O sim encerra, acomoda-se, o não dilacera, escancara, abre, mas não sem força e mesmo com alguma violência, só existe progresso com desordem. Assim não se aprende conhecimento sem dor e como tal, quando é legítimo, é amargo, pode até ser agradável na boca, mas queimará coração e mente, consumirá, dissolverá uma substância para criar outra, nova mesmo que seja com elementos antigos. Nossa alma morre e nasce, quebra-se em mil pedaços e atraída por uma potência desconhecida amalgama-se e se transforma, a força motriz dessa fusão é a poesia, uma inclinação cósmica para a beleza, não a estética do sim, mas do não, da morte, da dor, do amargo.
Aceite esse fruto, não, não te amo menos por ele ser amargo, ao contrário, ele me é mais caro que todos os doces que já te dei, os doces dei porque me sobravam, não me faziam falta e não me custaram muito. Quanto ao amargo, ah, tirei do fundo de minhas entranhas, gerei no sofrimento, me custou dizer não a sins dos hipócritas, falsos, hereges e de torpes ganâncias. Esse fruto, amargo como é, creia, é o melhor que já dei, o mais raro e sincero, não parece bonito, não será agradável, mas eu tenho certeza, depois de comê-lo, de permitir que sua alma o integre com tudo o que você é, o resultado será inesperado. Será bom? Será ruim? Será diferente, levará você a questionar, a abrir a porta que está depois da porta, você achou que bastaria entrar por uma porta e se acomodar num quarto pequeno e vazio? Pois bem, no fundo do poço tem um alçapão, dentro do quarto tem outra porta, para onde dará essa porta? Não sei, isso é com você, só não tenha medo de provar esse fruto que te dou, um fruto amargo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário